sábado, 18 de fevereiro de 2017

Comer arroz ajuda a tratar o diabetes?

O Instituto Rio Grandense do Arroz (IRGA), em conjunto com a Farsul, Federarroz, Senaer e Sebrae, desenvolveu o Programa de Valorização do Arroz (Provarroz). O principal objetivo deste programa é “levar informações sobre os potenciais benefícios do arroz à saúde”. No entanto, a forma que estas informações vêm sendo veiculadas não é apropriada, pois pode gerar interpretação equivocada por parte da população.
No caso do diabetes mellitus, o Provarroz produziu material impresso para ser disponibilizado dentro de restaurantes com o seguinte texto: “Arroz é saúde. Auxilia no tratamento da diabetes” (foto abaixo). Nenhum alimento isoladamente é capaz de tratar o diabetes, assim como, dentro de um padrão alimentar equilibrado, nenhum alimento é proibido.



No caso específico do arroz diversos fatores parecem influir no seu índice glicêmico, isto é, na velocidade com que o carboidrato é absorvido no intestino fazendo a glicose subir no sangue. O arroz branco, comido puro, em grande quantidade e preparado da forma convencional (cozido em água) tem alto índice glicêmico. Uma revisão sistemática publicada na revista médica BMJ no ano de 2012, avaliou mais de 300 mil indivíduos com seguimento de até 22 anos. Neste estudo, populações asiáticas, com padrão de consumo de arroz parecido com o descrito no início deste parágrafo, apresentaram risco maior de desenvolver diabetes com o passar do tempo (1). Outro estudo, publicado em 2013 no European Journal of Epidemiology chegou a conclusões parecidas (2). Logo, a evidência científica disponível até o momento é categórica em afirmar que o alto consumo arroz branco polido, tipo com maior apreço pelo consumidor brasileiro, na realidade aumenta o risco de diabetes.
Isso não quer dizer que o consumo de arroz deva ser evitado pela população geral ou mesmo por pessoas com diagnóstico de diabetes. Variedades com maior teor de fibras e maior quantidade de amido resistente (integral, preto e vermelho), quando consumidos com moderação, dentro de um padrão alimentar equilibrado e associado a atividades físicas regulares, podem sim ajudar a manter os níveis glicêmicos mais estáveis no decorrer do tempo. Perceba, aqui temos consumo do arroz dentro de um contexto maior de hábitos saudáveis, não como um “suplemento” ou “agente milagroso” para tratar uma doença.
A informação ao ser transmitida para o público geral, além de ser de fácil compreensão e interpretação, deve ser completa. Logo, o material de divulgação do Provarroz merece ser melhor elaborado para que consiga atingir seu real objetivo de “promoção de saúde”.

Referências:
1 - Hu EA, Pan A, Malik V, Sun Q. White rice consumption and risk of type 2 diabetes: meta-analysis and systematic review. BMJ. 2012 Mar 15;344:e1454.
2 - Aune D, Norat T, Romundstad P, Vatten LJ. Whole grain and refined grain consumption and the risk of type 2 diabetes: a systematic review and dose-response meta-analysis of cohort studies. Eur J Epidemiol. 2013 Nov;28(11):845-58.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Gestantes brasileiras precisam de suplementos de iodo?

No início de 2017, a American Thyroid Association publicou nova diretriz para diagnóstico e manejo das doenças tireoidianas durante a gestação (1). Entre outros tópicos, a seção IV deste documento aborda aspectos nutricionais relacionados a suficiência de iodo. A recomendação número 6, sugere a suplementação universal com 150 mcg de iodeto de potássio por dia a toda gestante, devendo idealmente ser iniciada 3 meses antes da concepção. Mas seria esta recomendação apropriada para a população brasileira?



A suplementação de iodo é uma medida de saúde pública. E infelizmente cerca de um terço da população mundial apresenta algum grau de carência. Não é o caso do Brasil, segundo dados da Iodine Global Network (IGN) (2). Cerca de 90 por cento do iodo é livremente filtrado através da urina. Logo a monitorização da concentração de iodo na urina, apesar de não ser um bom exame para avaliar pacientes individualmente, é uma ferramenta extremamente útil para estimar a suficiência de iodo em diferentes populações. A mediana urinária de excreção de iodo no Brasil é de 304 mcg/L (levantamento de 2008-2009). A Organização Mundial da Saúde considera uma excreção urinária de iodo entre 100 e 299 mcg/L apropriada. Logo, como população, consumimos iodo demais! Tanto que no ano de 2013, a quantidade de iodo no sal foi revista no Brasil. Reduziu-se de 20 a 60 mg/kg para 15 a 45 mg/kg.
Apesar da suficiência de iodo poder variar geograficamente dentro de um mesmo território, no Brasil, ainda segundo a IGN, o sal iodado está presente em mais de 95 por cento dos lares. Isto é, apesar da grande extensão territorial e das diferenças culturais, o acesso ao iodo está garantido em quase totalidade dos lares brasileiros.
Poucos estudos avaliaram a suficiência de iodo em populações de gestantes no Brasil (3). Apesar de sugerirem insuficiência de iodo leve a moderada, a amostra extremamente limitada não é capaz de representar a realidade brasileira a ponto de servir para ajudar a traçar medidas de saúde pública.
Além disso, praticamente toda a evidência que associa deficiência leve a moderada de iodo durante a gestação a deficiências neurológicas leve da prole, como redução de QI, vem de estudos observacionais (4). Até o momento, nenhum ensaio clínico demonstrou que a suplementação de iodo durante a gestação seja capaz de melhorar qualquer desfecho materno fetal robusto. Apenas desfechos substitutos como volume tireoidiano ou dosagem de tireoglobulina foram avaliados (5). Logo, podemos concluir que a suplementação de iodo feita de rotina para toda gestante brasileira trata-se de uma intervenção que carece de respaldo epidemiológico e clínico.
Talvez, algumas gestantes advindas de áreas historicamente deficientes de iodo e sem acesso ao sal iodado, bem como algumas outras mulheres com padrões alimentares restritivos em sal, grãos e lácteos, possam se beneficiar de suplementação de iodo, por apresentarem um risco maior de deficiência grave, situação na qual, há evidência de que a suplementação seja efetiva na prevenção de desfechos graves como o cretinismo (6). 

Referências:
1- Alexander EK, Pearce EN, Brent GA, Brown RS, Chen H, Dosiou C, Grobman W, Laurberg P, Lazarus JH, Mandel SJ, Peeters R, Sullivan S. 2016 Guidelines of the American Thyroid Association for the Diagnosis and Management of Thyroid Disease during Pregnancy and the Postpartum. Thyroid. 2017 Jan 6. doi: 10.1089/thy.2016.0457.
2- http://www.ign.org/ acessado em 15 de janeiro de 2017.
3- Ferreira SM, Navarro AM, Magalhães PK, Maciel LM. Iodine Insuficiency in pregnant women in São Paulo. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2014 Apr;58(3):282-7.
4- Bath SC, Steer CD, Golding J, Emmett P, Rayman MP. Effect of inadequate iodine status in UK pregnant women on cognitive outcomes in their children: results from the Avon Longitudinal Study of Parents and Children (ALSPAC). Lancet. 2013;382(9889):331. 
5- Glinoer D, De Nayer P, Delange F, Lemone M, Toppet V, Spehl M, Grün JP, Kinthaert J, Lejeune B. A randomized trial for the treatment of mild iodine deficiency during pregnancy: maternal and neonatal effects. J Clin Endocrinol Metab. 1995;80(1):258.
6- Boyages SC, Halpern JP, Maberly GF, Eastman CJ, Morris J, Collins J, Jupp JJ, Jin CE, Wang ZH, You CY. A comparative study of neurological and myxedematous endemic cretinism in western China. J Clin Endocrinol Metab. 1988;67(6):1262. 


Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

Dr. Rafael Selbach Scheffel
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.011 - RQE 19.512

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Deficiência de vitamina D: o básico que você precisa saber

O que é a vitamina D?

A vitamina D é uma vitamina solúvel em óleo que possui uma série de funções importantes no organismo:
– ajuda na absorção do cálcio e do fósforo pelo intestino;
– regula a função das paratireoides, glândulas responsáveis pela regulação do metabolismo ósseo.
Através dessas funções a vitamina D mantém normais os níveis de cálcio e fósforo no sangue. Além disso, a vitamina D é importante para manter a função do sistema muscular e do sistema imune, ajudando a evitar quedas e infecções.




A vitamina D é produzida pela pele quando exposta a luz solar. A produção de vitamina D depende da cor da pele, da idade e do tempo de exposição ao sol. Pessoas idosas, com cor de pele escura e nos meses de inverno, produzem menos vitamina D.
A vitamina D também pode ser ingerida através dos alimentos como derivados lácteos enriquecidos (sempre verificar o rótulo), peixes gordurosos como o salmão, óleo de fígado de bacalhau e ovos (estes em bem menor quantidade).

Quais as causas de deficiência de vitamina D?

A baixa ingestão de alimentos ricos em vitamina D e a baixa exposição solar são as principais causas. Contudo, devido ao risco aumentado de câncer de pele, a exposição solar não é considerada a melhor opção de reposição de vitamina D, principalmente para crianças.
Algumas vezes, a alimentação e exposição solar são apropriadas, mas mesmo assim a deficiência ocorre. Nestes casos deve se desconfiar de problemas no fígado ou intestino, que dificultem a absorção da vitamina D, ou ainda, doenças renais que impedem a ativação da vitamina.

O que a deficiência de vitamina D pode causar?

A deficiência de vitamina D pode levar a queda dos níveis de cálcio e fósforo no sangue e enfraquecimento dos ossos (raquitismo na criança e osteomalácia no adulto). Além disso, níveis menores de deficiência, ou insuficiência, são extremamente comuns. A insuficiência de vitamina D pode levar a osteopenia, osteoporose, quedas e, consequentemente, fraturas.

Como é feito o diagnóstico da deficiência de vitamina D?

O diagnóstico é extremamente simples. Basta dosar a vitamina D no sangue (25 hidroxivitamina D). Se os níveis estiverem acima de 30 ng/mL, está tudo normal. Se estiverem abaixo, pode haver insuficiência ou deficiência.

Quem deve fazer o exame?

Pacientes idosos, acamados, com história de doenças ósseas ou fraturas e com baixos níveis de cálcio, devem dosar a vitamina D. Outros grupos também podem se beneficiar da dosagem conforme avaliação do médico endocrinologista.

Como é feito o tratamento da deficiência de vitamina D?

O tratamento também é simples e depende do grau de deficiência e dos problemas de saúde apresentados pelo paciente. É feita a reposição de vitamina D via oral com reavaliação do exame de sangue dentro de 3 meses.

Como prevenir a deficiência de vitamina D?

A prevenção pode ser feita com ingestão de vitamina D em alimentos enriquecidos ou suplementos de vitamina D e através da exposição parcimoniosa ao sol.

Se você desconfia que possa ter deficiência de vitamina D, procure um endocrinologista e faça uma avaliação.

Fonte: UpToDate OnLine

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576