sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Uso do iodo radioativo no tratamento do hipertireoidismo

A radioatividade costuma gerar confusão no imaginário popular. Átomos radioativos são largamente utilizados pela Medicina tanto em exames quanto em tratamentos. O I-131, isótopo radioativo do iodo, pode ser usado no tratamento do hipertireoidismo com excelentes resultados quando tomados os devidos cuidados. A propósito, o iodo radioativo não é o mesmo iodo do sal de cozinho ou da solução de lugol. Que fique claro!



O I-131, prescrito pelo médico endocrinologista, pode ser administrado por via oral na forma líquida ou através de cápsulas em clínicas de medicina nuclear - não pode ser comprado em farmácias. Após a ingestão, o iodo é rapidamente concentrado pela tireoide. A emissão de partículas beta pelos átomos radioativos danifica o tecido tireoidiano, logo, por consequência, a produção hormonal diminui dentro de 6 a 18 semanas.
O radioiodo pode ser usado nos quadros de hipertireoidismo causados por doença de Graves (bócio difuso tóxico), adenomas tóxicos (nódulos únicos produtores de hormônio) ou bócios multinodulares tóxicos. Ao prescrever o tratamento o endocrinologista deverá atentar para duas possíveis contraindicações: gravidez e presença de orbitopatia de Graves moderada a grave.
A tireoide do feto já está presente por volta de décima semana de gestação. O uso inadvertido do I-131 em uma gestante pode destruir a tireoide do bebê e resultar em um quadro de hipotireoidismo congênito grave chamado de cretinismo. Por isso, recomenda-se a realização do teste de gravidez em mulheres em idade fértil candidatas ao tratamento com radioiodo. Além disso, o iodo tende a se concentrar nas glândulas mamárias. Logo, nutrizes precisam ter parado de amamentar por pelo menos 6 a 12 semanas para receber o tratamento com segurança.
Os pacientes com doença de Graves e inflamação dos tecidos ao redor dos olhos - orbitopatia - também merecem atenção especial. Quando a atividade inflamatória é leve, o iodo pode ser usado, preferencialmente junto com um corticoide. No entanto, o uso do radioiodo não é recomendado em pacientes com inflamação importante dos olhos ou com risco de perder a visão, já que pode agravar a situação.
Respeitados estes requisitos, o uso do I-131 costuma ser bem tolerado e a maioria dos pacientes melhora do hipertireoidismo após 4 semanas. O hipotireoidismo - perda de função da glândula - é bastante comum após o tratamento. Por isso, todo paciente que fez tratamento com iodo radioativo deve avaliar regularmente a função tireoidiana e iniciar reposição hormonal com levotiroxina, se houver necessidade.

Fonte: Radioiodine in the treatment of hyperthyroidism

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Orbitopatia de Graves: a doença dos olhos associada ao hipertireoidismo

A orbitopatia ou oftalmopatia de Graves é uma doença autoimune dos tecidos retro-orbitários. Eventualmente, o sistema imunológico ataca de forma inapropriada os tecidos do nosso organismo. Na orbitopatia de Graves, esse ataque causa inflamação e lesão nos músculos e tecidos localizados atrás dos olhos. Um de cada 4 pacientes com hipertireoidismo causado por bócio difuso tóxico ou Doença de Graves pode ter comprometimento ocular.
Alguns pacientes parecem estar mais predispostos ao aparecimento da orbitopatia de Graves. Mulheres, pacientes com história familiar da doença ou que fizeram tratamento do hipertireoidismo com iodo radioativo, fumantes, idosos e pessoas com níveis elevados de anticorpos contra o receptor do TSH (TRAb) têm risco maior de comprometimento dos olhos.



O paciente com orbitopatia de Graves pode não ter sintomas e apenas perceber que o olho está mais saltado. Contudo, irritação, desconforto ou dor nos olhos, lacrimejamento excessivo, visão dupla ou borrada, inchaço e vermelhidão nas pálpebras podem aparecer. Em casos graves, pode haver perda da visão.
O paciente com hipertireoidismo e estas queixas deve ser prontamente avaliado pelo endocrinologista e, em alguns casos, pelo oftalmologista para confirmar o diagnóstico e instituir o tratamento. Este consiste em evitar o cigarro, tratar o hipertireoidismo, uso de colírios lubrificantes e, em alguns casos, uso de corticoides, radioterapia ou mesmo cirurgia.

Fonte: UpToDate On Line

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 17 de dezembro de 2017

Síndrome de Cushing ou hipercortisolismo: perguntas e respostas

O que é síndrome de Cushing?

A síndrome de Cushing ou hipercortisolismo é uma condição que pode ser causa de diferentes problemas médicos, incluindo ganho de peso, fragilidade óssea, fraqueza muscular e pressão alta.
O excesso do hormônio conhecido como cortisol é a causa da síndrome de Cushing. Em condições normais, o cortisol auxilia o organismo em funções como regulação do metabolismo e do sistema imunológico. Contudo, quando em excesso, o cortisol pode causar sintomas.
O cortisol é produzido pelas glândulas adrenais, pequenos órgãos localizados acima de cada rim (figura). Normalmente, as glândulas adrenais produzem cortisol após receber “ordem” da glândula hipófise. Esta está localizada abaixo do cérebro.



Quais são as causas da síndrome de Cushing?

A síndrome de Cushing pode ser causada por:
– medicamentos que agem como o cortisol, também chamados de corticoides: pessoas asmáticas ou com reumatismo podem precisar fazer uso de doses elevadas deste tipo de medicamento.
tumores na hipófise ou em outras partes do corpo: estes tumores podem “ordenar” que as glândulas adrenais produzam cortisol em excesso.
– problemas nas próprias glândulas adrenais que as levem a produzir cortisol demais.

Quais são os sintomas da síndrome de Cushing?

Pacientes com síndrome de Cushing podem apresentar um ou mais dos sintomas/sinais a seguir:
– ganho de peso no rosto, pescoço, costas e cintura.
– pele fina que machuca com facilidade.
– estrias largas e de cor violeta.
– menstruação irregular ou ausente.
– aumento dos pelos (hirsutismo), oleosidade e acne.
– fraqueza muscular em braços e pernas. O paciente tem dificuldade em levantar-se de uma cadeira.
– fragilidade dos ossos e fraturas.
diabetes mellitus (aumento do açúcar no sangue).
– pressão alta e problemas cardíacos.
– mudanças no humor como depressão e irritação.
– infecções frequentes.
– formação de coágulos (trombose) nas pernas.
Pessoas diferentes podem ter sintomas diferentes. Quando a doença não é tratada, os sintomas podem piorar e causar risco de morte.

Como é feito o diagnóstico da síndrome de Cushing?

O diagnóstico é feito através da história e do exame clínico detalhados e através da dosagem do cortisol no sangue, urina ou saliva. Quando estes primeiros exames vêm alterados podem ser necessários outros, como testes diagnósticos com hormônios ou remédios, tomografia das adrenais, ressonância magnética da hipófise e até mesmo cateterismo dos vasos dessas glândulas.

Como é feito o tratamento da síndrome de Cushing?

O tratamento depende da causa e pode ser desde uma simples redução progressiva na dose dos corticoides, até cirurgias da hipófise ou das adrenais, uso de medicamentos ou radioterapia.
Muitas pessoas ficam curadas após o tratamento. Contudo, outras precisam fazer uso contínuo de medicamento para manter a síndrome de Cushing controlada.

Fonte: UpToDate On Line

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Risco de complicações em pacientes com esteatose hepática

Não é só "uma gordurinha no fígado". A doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD em inglês) - conhecida pelos leigos como esteatose hepática - pode trazer consigo complicações graves. Estima-se que uma em cada quatro pessoas tenha o diagnóstico de fígado gorduroso. ...Dá para ter ideia do tamanho do problema...



Nas últimas duas décadas, o conhecimento sobre a NAFLD avançou bastante, especialmente nos casos onde existem evidências de fibrose - cicatrização inapropriada - do fígado. Estes estudos nos mostram o seguinte:
  • pacientes com esteatose hepática apresentam maior risco de morrer.
  • a causa mais comum de morte nos pacientes com NAFLD é a doença cardiovascular.
  • embora a preocupação maior seja com o fígado, as causas hepáticas de morte aparecem apenas em segundo ou terceiro lugar nas estatísticas.
  • pacientes com NAFLD apresentam maior risco de morrer por câncer.
  • o fígado gorduroso já é considerado a terceira causa mais comum de carcinoma hepatocelular - câncer de fígado - nos Estados Unidos. A explicação para este fato é a epidemia de obesidade, que acaba elevando os casos de câncer de fígado relacionados a NAFLD em 9 por cento ao ano.
  • o câncer de fígado nos pacientes com esteatose tem pior prognóstico, já que idade avançada e doenças cardíacas são frequentes nesta população.
  • o carcinoma hepatocelular pode dar as caras mesmo na ausência de cirrose. Isso acontece em torno de 13 por cento dos casos.
  • a NAFLD é a segunda causa mais comum de transplante hepático e, dentro de pouco tempo, deverá assumir a primeira posição. O tratamento das hepatites virais com tratamentos altamente curativos explica esta tendência.
  • a cada ano, 44 de cada 100.000 pacientes com esteatose desenvolve câncer de fígado.

Apesar dos achados preocupantes, o manejo desta doença também está evoluindo, inclusive com o desenvolvimento de novos medicamentos. Contudo, a mudança do estilo de vida e a redução do peso ainda são a base do tratamento.

Fonte: Chalasani N, et al. The Diagnosis and Management os Nonalcoholic Fatty Liver Disease: Practice Guidance From the American Association for Study of Liver Diseases. Hepatology, vol 00, n 00, 2017.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Seguimento dos nódulos tireoidianos benignos

Felizmente, mais de 90 por cento dos nódulos de tireoide são benignos. Após a PAAF (punção aspirativa com agulha fina), com o diagnóstico citológico em mãos, a observação do comportamento do nódulo através de exames de imagem seriados é a principal forma de manejo.



A maioria dos pacientes com nódulos benignos não necessita de cirurgia. No entanto, o procedimento pode ser considerado quando existem sintomas compressivos ou comprometimento estético do pescoço. A injeção de álcool no interior do nódulo também pode ser utilizada em alguns destes casos. Já o tratamento supressivo com hormônio da tireoide, antigamente utilizado para tentar reduzir o tamanho dos nódulos, é muito pouco eficaz, logo não é recomendado.
Geralmente, repetimos a ecografia da tireoide dentro de 12 meses após a punção. Caso o nódulo não tenha modificado suas características, o exame pode ser repetido dentro de 2 anos. Nódulos grandes exigem menor intervalo entre as ecografias.
Pequenas modificações entre um exame e outro são esperadas. Porém, uma nova punção deve ser realizada quando o nódulo cresce (mais de 50% no seu volume ou mais de 20% em pelo menos duas dimensões de pelo menos 2 milímetros), surge alguma alteração suspeita na ecografia ou o paciente desenvolve sintomas atribuíveis à lesão.
A risco de uma lesão classificada como benigna em uma primeira punção se mostrar maligna em uma segunda PAAF é menor que 1 por cento. Este dado tranquiliza e mostra que nódulos benignos podem ser seguidos apenas através de monitorização na maioria dos casos.

Fonte: Diagnostic approach to and treatment of thyroid nodules - UpToDate On Line

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Suco verde: vale a pena?

Espinafre, couve, agrião, salva, brócolis e rúcula podem ser batidos com frutas cítricas como laranja e limão ou água de coco. A bebida resultante, como se imagina, fica verde. Algumas versões ainda levam alimentos ditos funcionais ou termogênicos como gengibre, chia, hortelã ou hibisco. Para quem não tem o hábito de comer hortaliças, bebê-las pode ser uma opção interessante, já que espinafre e companhia limitada são ricos em fibras, vitaminas A, C e do complexo B, minerais como cálcio, além de terem baixo valor calórico. Mas não se engane! Apenas acrescentar o suco verde dentro de um padrão alimentar inapropriado, não vai ajudar a diminuir os dígitos na balança.



De uma maneira geral, deve-se ter cuidado com o consumo de sucos, especialmente os processados. Líquidos tendem a induzir menos saciedade que alimentos que precisam ser mastigados. As versões coadas perdem as fibras, que são importantes, pois diminuem o índice glicêmico da bebida. Quanto menor o índice glicêmico, mais lentamente o açúcar é absorvido no intestino, elevando menos os níveis de glicose na corrente sanguínea.
Um suco verde, para ser saudável, deve ser feito com as hortaliças e frutas inteiras batidas no liquidificador, não ser coado e nem levar açúcar. Além disso, não deve ser consumido para substituir uma refeição ou compensar um abusão alimentar anterior. Também não serve para desintoxicar o organismo. Quem já costuma incluir frutas e verduras regularmente na alimentação, o consumo da bebida não traz vantagem alguma.
Ao fazer o suco, dê preferência a frutas e vegetais da estação. Isso garante, além de mais sabor e menor preço, menos exposição a defensivos agrícolas. E procure consumi-lo logo após o preparo, para preservar vitaminas e outros compostos bioativos. Fica a dica!

Fonte: Fonte: Desmistificando dúvidas sobre alimentação e nutrição : material de apoio para profissionais de saúde / Ministério da Saúde, Universidade Federal de Minas Gerais. – Brasília : Ministério da Saúde, 2016.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

sábado, 18 de novembro de 2017

Avaliação hormonal dos incidentalomas de adrenal

A avaliação das lesões das glândulas adrenais descobertas ao acaso, ou incidentalomas, procura responder duas perguntas:
2- A lesão secreta algum hormônio?
Neste texto, vamos entender como o médico endocrinologista faz para responder a segunda questão.

Glândula adrenal e suas camadas

A grande maioria dos incidentalomas não secreta hormônios. Uma revisão de diversos estudos compilou dados de cerca de 1800 pacientes. Destes, quase 90 por cento não apresentava alteração nos hormônios da adrenal. O excesso de cortisol foi flagrado em 6,4 por cento dos casos. Já a produção excessiva de metabólitos da adrenalina/noradrenalina e de aldosterona, substâncias que podem causar aumento da pressão arterial, foi de 3,1 e 0,6 por cento, respectivamente.
Apesar de pouco frequente, a produção hormonal excessiva sempre deve ser investigada em pacientes com suspeita clínica. Nos pacientes assintomáticos, a secreção excessiva de cortisol ou de metabólitos da adrenalina/noradrenalina também deve ser sempre avaliada, já que em diversas ocasiões os sinais e sintomas não são evidentes, isto é, o quadro é subclínico.
Vejamos como é feita a avaliação hormonal dos incidentalomas de adrenal…

Feocromocitoma

Feocromocitomas são tumores derivados da camada mais interna das glândulas adrenais, a medula. A produção de metabólitos de adrenalina e noradrenalina por essas lesões pode causar aumento da pressão arterial e episódios de palpitação, suor excessivo e difuso, dor de cabeça, palidez e tremor. Quando o paciente apresenta alta probabilidade de possuir um feocromocitoma, coleta-se sangue para dosagem das metanefrinas fracionadas. Nos outros casos, a dosagem das metanefrinas e catecolaminas é feita na urina de 24 horas.

Síndrome de Cushing

A produção excessiva de cortisol por uma lesão adrenal pode levar a um quadro de síndrome de Cushing. Estes pacientes podem apresentar obesidade no tronco com perna e braços finos, rosto redondo e avermelhado, pele fina e frágil com estrias roxas e largas, acúmulo de gordura formando uma corcova sobre as clavículas e atrás do pescoço, além de fraqueza muscular. Nos incidentalomas de adrenal, esta sintomatologia exuberante é pouco frequente. No entanto, pressão alta, alteração nos níveis de glicose e colesterol, além de um risco aumentado de fraturas de coluna podem fazer parte do quadro. O exame visa flagrar se existe secreção de cortisol clinicamente significativa. Nos pacientes que apresentam sintomas, a coleta do cortisol em exame de urina de 24 horas é realizada. Nos pacientes assintomáticas, o exame de preferência é o teste de supressão com 1 mg de dexametasona.

Aldosteronismo primário

A aldosterona é um hormônio secretado pelas adrenais que faz nossos rins reterem sódio e excretarem potássio. Quando em excesso, a aldosterona causa hipertensão arterial. Menos de 1% dos incidentalomas de adrenal são produtores de aldosterona. Logo, a avaliação hormonal está indicada apenas para pacientes hipertensos ou com níveis de potássio baixo.

Carcinoma (câncer) adrenocortical

Felizmente os carcinomas adrenocorticais são pouco frequentes. Costumam ser grandes e podem secretar qualquer tipo de hormônio esteroide (cortisol, aldosterona, estrogênios ou androgênios). O quadro é muito variável, e as dosagens hormonais, além do SDHEA, são indicadas conforme a suspeita clínica.

De uma maneira geral, os tumores funcionantes costumam ser retirados cirurgicamente, salvo em algumas situações, onde são acompanhados/tratados clinicamente, conforme critério do médico endocrinologista.

Fonte: The adrenal incidentaloma - UpToDate On Line

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Batata yacon: vale a pena investir?

Volta e meia algum alimento ganha a alcunha de “super”. Diariamente somos bombardeados com informações sobre alimentos ditos funcionais. A batata yacon, já há algum tempo, divide os holofotes com goji berry, chia e companhia limitada. Mas vale a pena investir nesse tubérculo pensando em melhorar a saúde?


A batata yacon (Smallanthus sonchifolius) vem da Cordilheira dos Andes. Foi introduzida com sucesso no Brasil em 1994, por ser muito adaptável a diferentes condições de clima e solo. O interior do estado de São Paulo é o maior produtor nacional do tubérculo.
Uma peculiaridade desta batata é seu alto valor nutricional. Diferente de outros tubérculos que armazenam energia na forma de amido, a yacon guarda carboidratos na forma de frutooligossacarídeos: FOS para os íntimos. Nós não conseguimos digerir os FOS, que acabam sendo usados como alimento pelas bactérias do intestino. Toda substância que estimula o crescimento de bactérias benéficas pode ser chamada de prebiótica. Ponto para a yacon! A proliferação destes microrganismos tem o potencial de trazer benefícios à saúde. Além de melhorar o funcionamento do intestino, ajudam a proteger de infecções e modular nosso sistema imunológico.
Além dos FOS, outras vantagens nutricionais da batata yacon são seu baixos valor calórico e índice glicêmico, já que é rica em água (até 90% do peso) e em fibras (FOS). Estas características são interessantes especialmente para quem precisa enxugar alguns quilos ou domar a glicose no sangue.
Não há como negar que se trata de um alimento com perfil interessante. Mas se eu estiver acima do peso ou com diabetes, vale a pena investir na yacon?
Depende! Obesidade e diabetes são doenças multifatoriais. São causadas por hábitos alimentares inapropriados e pouca atividade física, além de fatores genéticos. Não é o consumo isolado de um único alimento que vai prevenir ou tratar estas doenças. Além disso, não há estudos suficientemente robustos que justifiquem o uso rotineiro da “batata dos Andes” com estes objetivos.
Para quem quiser experimentar, o sabor e a textura são parecidos com de uma pera. A yacon pode ser consumida em saladas, sucos ou mesmo in natura, dentro de uma dieta equilibrada e de uma rotina de atividades físicas regulares. Caso o acesso a este alimento não seja fácil, dá para substituir por outros que tenham propriedades parecidas. Beterraba, alho, cebola, tomate, banana e trigo também são ricos em FOS.

Fonte: Desmistificando dúvidas sobre alimentação e nutrição : material de apoio para profissionais de saúde / Ministério da Saúde, Universidade Federal de Minas Gerais. – Brasília : Ministério da Saúde, 2016.

No vídeo abaixo, algumas informações interessantes sobre o consumo de tubérculos por pacientes diabéticos.



Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

Texto atualizado em 15 de outubro de 2018.

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Avaliação dos incidentalomas de adrenal através de exames de imagem

Os incidentalomas são lesões descobertas ao acaso em exames solicitados por outro motivo que não seja a avaliação das glândulas adrenais. Por exemplo: o médico solicita uma tomografia para avaliar o fígado e o exame acaba mostrando um nódulo na adrenal esquerda do qual não se desconfiava (figura abaixo).



A descoberta de um incidentaloma levanta duas questões que vão determinar o tipo de avaliação e a necessidade de tratamento:
1 - A lesão é maligna?
2 - A lesão secreta hormônios?
Neste texto, vamos responder ao primeiro questionamento.

Felizmente, a grande maioria dos incidentalomas de adrenal são benignos. Estima-se que apenas  2 a 5 por cento dos nódulos sejam carcinomas (câncer) de adrenal e 0,7 a 2,5 por cento sejam metástases de outros tumores para esta glândula.
Os exames de imagem, com destaque para a tomografia computadorizada, podem ajudar a estimar o risco de uma lesão na adrenal ser maligna. Através do chamado fenótipo da imagem, isto é, das características mostradas pelo exame, dá para ter ideia da natureza do nódulo. A seguir, as principais características de imagem das massas adrenais mais importantes.

Adenomas benignos

Costumam ser redondos, homogêneos e com contorno liso e bem delimitado. O diâmetro normalmente é menor que 4 centímetros. Por serem ricos em gordura, apresentam densidade baixa na tomográfica (< 10 HU), além de eliminarem rapidamente o contraste (washout rápido).

Feocromocitomas

São lesões originárias das camadas mais profundas da adrenal e podem produzir adrenalina e seus derivados causando pressão alta de difícil controle. Por serem lesões altamente vascularizadas, apresentam densidade alta (> 20 HU) e eliminação lenta do contraste na tomografia. O tamanho é bastante variável e podem acometer ambas as adrenais ao mesmo tempo. Em alguns casos, a ressonância magnética pode ajudar no diagnóstico.

Carcinoma adrenocortical

O câncer de adrenal costuma ser unilateral, ter tamanho maior que 4 centímetros, além de ser irregular na forma e na textura. Podem ser vistas áreas de necrose, hemorragia ou calcificações neste tipo de tumor. Assim como os feocromocitomas, também apresentam densidade alta e washout lento na tomografia. Em alguns casos, também podem ser vistos invasão de órgãos próximos e/ou evidência de metástases.

Metástases na adrenal

Frequentemente acometem ambas as glândulas e são bastante heterogêneas. A alta intensidade e eliminação lenta do contraste são evidenciados pela tomografia, já que são lesões bastante vascularizadas. Em alguns casos, a ressonância magnética e o tomografia por emissão de pósitrons podem ser necessários para ajudar no diagnóstico, especialmente quando não o tumor de onde as metástases se originaram não foi localizado.

De uma maneira geral, as lesões com características de adenomas benignos e que não são produtoras de hormônios podem ser acompanhadas clinicamente. Já os tumores suspeitos de feocromocitoma ou de carcinoma adrenal, além dos adenomas com produção de hormônio, são tratados através de cirurgia.

Fonte: The adrenal incidentaloma - UpToDate On Line

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Hipertireoidismo em crianças e adolescentes

Disfunções na tireoide não são exclusividade dos adultos. A glândula dos pequenos também pode ser afetada pelos mesmos problemas. Alguns sinais e sintomas são os mesmos em todas as faixas etárias. Outros, especialmente os relacionados ao crescimento e desenvolvimento, são peculiares em crianças e adolescentes. Vejamos o que pode acontecer em um quadro de hipertireoidismo...



Chamamos de hipertireoidismo a produção de hormônios em excesso pela tireoide. Não confunda com hipotireoidismo, que é o mal o funcionamento da glândula. A estimativa é que uma em cada 100.000 crianças menores de 15 anos desenvolva hipertireoidismo a cada ano. Meninas, principalmente durante a adolescência, tendem a ser mais acometidas. O efeito dos hormônios femininos durante a puberdade é a explicação, já que doenças autoimunes da tireoide são mais comuns em mulheres. Aliás, a doença de Graves, causada por anticorpos que estimulam a produção dos hormônios tireoidianos, é a causa mais comum de hipertireoidismo em crianças e adolescentes, contabilizando 96 por cento dos casos. Pacientes com síndrome de Down apresentam maior risco para doença de Graves.
Os sintomas clássicos de hipertireoidismo são:
- aumento do tamanho da glândula tireoide (bócio).
- tremor fino, perceptível especialmente nas mãos quando se estende os dedos.
- olhar fixo, brilhante e com as pálpebras retraídas.
- coração acelerado e palpitações.
- perda de peso involuntária mesmo com a ingestão de alimentos aumentada.
- pele fina, quente e com aumento do suor.
- diminuição da força muscular, perceptível principalmente na musculatura proximal, que torna mais difícil subir escadas ou levantar de assentos próximos ao chão.
- aumento da velocidade do trânsito intestinal, que resulta em mais idas ao banheiro para fazer cocô e, em alguns casos, diarreia.
- orbitopatia, que é a inflamação dos tecidos que envolvem o globo ocular, em alguns casos de doença de Graves.
Além disso, o excesso de hormônios tireoidianos acelera a maturação das cartilagens de crescimento, fazendo a criança crescer mais rápido do que o esperado. Este sinal pode passar despercebido, principalmente se a doença é leve e tem curta duração.
O desenvolvimento puberal não costuma ser afetado pelo hipertireoidismo. No entanto, meninas que já tiveram a primeira menstruação (menarca) podem deixar de ovular. Isso leva a atrasos ou mesmo a interrupção completa do fluxo menstrual.
Por fim, crianças com hipertireoidismo, especialmente as menores, tendem a apresentar mais oscilação do humor e distúrbios do comportamento que os adultos. A atenção diminuída, a hiperatividade e problemas no sono podem prejudicar o aproveitamento escolar e são frequentemente confundidos com TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade). Crianças menores de 4 anos também podem apresentar atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.
Na suspeita de hipertireoidismo, crianças ou adolescentes deverão ser avaliados por médico endocrinologista. O diagnóstico pode ser feito através de exames de sangue (TSH, T4 livre, T3 e anticorpos). Em alguns casos, também são necessários exames complementares (ecografia ou cintilografia da tireoide).

Fonte: Clinical manifestations and diagnosis of hyperthyroidism in children and adolescents - UpToDate OnLine

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Hipertireoidismo subclínico

Em alguns casos, nossa tireoide pode liberar hormônios em excesso. No HIPERtireoidismo subclínico, os níveis de TSH estão reduzidos, mas o T4 livre e o T3 ainda estão dentro dos valores normais. Trata-se de uma forma mais leve ou inicial de hipertireoidismo, que na maioria das vezes NÃO causa os sintomas clássicos como coração acelerado, tremor, falta de ar ao fazer exercícios e perda de peso.



O estudo norte-americano NHANES III estimou que aproximadamente uma em cada cem pessoas possui o diagnóstico de hipertireoidismo subclínico. O problema é mais frequente em quem vive em áreas deficientes de iodo (não é o caso da maior parte Brasil), em mulheres, fumantes e idosos.
As causas do hipertireoidismo subclínico são as mesmas de qualquer quadro de hipertireoidismo. Contudo, o uso de dose excessivas de hormônio tireoidiano (proposital ou não intencional) e os nódulos tireoidianos tóxicos (produtores de hormônio) são mais frequentes que a doença de Graves (bócio difuso tóxico de origem autoimune).
O diagnóstico é feito através de exames de sangue (TSH, T4 livre e T3) seguidos por avaliação complementar para identificar a causa do funcionamento excessivo da tireoide. Dependo do quadro clínico, o médico endocrinologista poderá solicitar também a dosagem de anticorpos, ecografia e cintilografia. Esta avaliação é importante para definição da melhor abordagem terapêutica.
As principais complicações associadas ao hipertireoidismo subclínico são o enfraquecimento dos ossos e as arritmias cardíacas, especialmente em idosos. Além disso, até 8 por cento dos pacientes acabam progredindo para hipertireoidismo franco, com elevação do T4 livre e T3.
A decisão quanto à necessidade de tratamento depende da idade do paciente, da presença de sintomas, da presença de fatores de risco para doenças cardiovasculares e osteoporose, além dos níveis de TSH. De uma maneira geral, pacientes com maior risco de complicações tendem a receber tratamento enquanto os casos mais simples tendem a ser observados. O médico endocrinologista procura individualizar o manejo da melhor maneira possível.

Fonte: Subclinical hyperthyroidism in nonpregnant adults - UpToDate Online

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 8 de outubro de 2017

Ecografia (ultrassonografia) de tireoide: entenda o exame

Ecografia - o que é e como funciona

A ecografia ou ultrassonografia é um exame que usa a reflexão das ondas de ultrassom para conseguir ver através de um monitor os diferentes tecidos do organismo. Como a tireoide está localizada na região anterior do pescoço, logo abaixo do “pomo-de-adão”, e está coberta praticamente apenas por pele, pode ser facilmente avaliada através da ecografia. Sempre que há necessidade de avaliação da tireoide através de imagem, a ecografia é o exame de escolha.

Ecografia de tireoide para guiar punção de nódulo.

Indicações da ecografia de tireoide

O médico endocrinologista lança mão deste exame nas seguintes situações:
– para avaliar a anatomia da tireoide quando suspeita de alguma anormalidade no exame clínico (palpação do pescoço);
– para avaliar alterações na tireoide descobertas ao acaso em outros exames como ecodoppler de carótidas, ressonância magnética ou tomografia computadorizada;
– para guiar punção aspirativa com agulha fina (PAAF) em nódulos ou linfonodos (ínguas);
– para ajudar a planejar a cirurgia no caso de câncer de tireoide;
– para monitorar possíveis recidivas no paciente em tratamento para câncer de tireoide;
– quando há suspeita de bócio no feto, ou seja, no bebê mesmo antes de ter nascido;
– para rastrear câncer em grupos selecionados de pacientes com alto risco para esta doença, como pessoas que fizeram radioterapia na região do pescoço.


Alguns achados da ecografia precisam ser confirmados por exames complementares

Dependendo da história e do quadro clínico do paciente, os diferentes achados da ecografia podem ajudar a confirmar ou afastar doenças. Por exemplo, um nódulo de 4 centímetros de diâmetro, hipoecoico, sem halo e com microcalcificações, é altamente suspeito de malignidade, logo, deve ser puncionado. Contudo, apesar da ecografia sugerir diagnósticos, estes devem ser confirmados, por punção ou outros exames apropriados.


A ecografia deve ser feita apenas com indicação precisa

O rastreamento universal, ou seja, o uso indiscriminado da ecografia de tireoide para procurar doença em pessoas que não se enquadram nas indicações acima, não está indicado. O rastreamento não é custo-efetivo e pode trazer mais prejuízos do que benefícios aos pacientes, como exames e até mesmo cirurgias desnecessárias.

Fonte: UpToDate OnLine



No vídeo, entenda a diferença entre nódulos hipoecoicos, hiperecoicos e isoecoicos.



Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991
Santa Maria - RS

Texto revisado em 7 de julho de 2020.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Como baixar os triglicerídeos

Apesar de ser um problema frequente na prática médica, ainda existem dúvidas sobre qual seria a melhor maneira de manejar a elevação dos níveis de triglicerídeos, ou hipertrigliceridemia. Quando as evidências sobre uma terapia não são definitivas, é sensato se optar pelo tratamento com melhor relação risco/benefício. No caso da hipertrigliceridemia, especialmente em níveis menores que 500 mg/dL, a mudança no estilo de vida ganha destaque.



Algumas vezes a elevação nos níveis de triglicerídeos tem uma causa evidente. Doenças como obesidade, diabetes, hipotireoidismo e síndrome nefrótica podem ser identificas através de avaliação clínica simples e devem ser adequadamente tratadas. Alguns medicamentos usados para os mais diversos problemas de saúde também podem causar hipertrigliceridemia. Estrógenos, especialmente por via oral, tamoxifeno, betabloqueadores, corticoides, ciclosporina, retinoides e medicação para o HIV também podem estar por trás do problema.
Se o manejo das causas da hipertrigliceridemia é insuficiente ou impossível, o próximo passo é procurar modificar o estilo de vida. A redução do peso e atividades físicas regulares são metas a serem alcançadas, já que o tecido adiposo é um grande reservatório de triglicerídeos e os exercícios ajudam a queimar esse excesso de energia.
Com relação a alimentação, quando os níveis são menores que 500 mg/dL, comer menos com o objetivo de baixar o peso, além de reduzir carboidratos com alto índice glicêmico ou alto teor de frutose (açúcar, pão branco, massas, arroz branco, doces, refrigerantes e sucos), ajuda na redução triglicerídeos. Aumentar o consumo de alimentos ricos em ômega 3 (peixes como salmão, sardinha, atum e frutos do mar) também é importante.
Quando os níveis de triglicerídeos são maiores que 500 mg/dL, o processamento da gordura proveniente da dieta (quilomícrons) fica prejudicado, logo, está indicada a redução na ingestão de gorduras (mesmo boas) para menos de 25 a 40 gramas por dia devido ao risco elevado de pancreatite, complicação potencialmente fatal. O consumo de álcool também deve ser desencorajado.
Se após todos esses cuidados os níveis de triglicerídeos continuarem muito elevados, o tratamento medicamentoso com fibratos poderá ser indicado.

Fonte: Hypertriglyceridemia - UpToDate

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Vale a pena usar hormônios ditos “bioidênticos”?

Alguns conceitos básicos de como funciona o sistema capitalista podem nos ajudar a entender melhor a “questão dos hormônios bioidênticos”. Imagine que você queira entrar no extremamente concorrido mercado farmacêutico. Seu capital inicial é pequeno tanto para produção quanto para desenvolvimento de novas moléculas. Com pouco dinheiro, é mais sensato investir em substâncias consagradas e que não sejam protegidas por patentes. Espertamente você escolhe alguns hormônios esteroides, o estradiol e a testosterona. Porém, substâncias pouco inovadoras costumam ser amplamente comercializadas por mais de uma empresa. Quando a oferta de um produto é ampla, seu preço despenca. Mas você não está disposto a ganhar pouco. Como diferenciar seus produtos dos demais? Marketing! E pior, marketing não ético! Estratégia infelizmente muito comum em diversos ramos no mercado…



O termo “hormônio bioidêntico” é uma jogada de markentig! Essa expressão foi cunhada para soar de forma mais suave que “quimicamente biossimilar” ou “quimicamente idêntico” ao hormônio encontrado na natureza ou que circula no nosso organismo. A geração das pessoas nascidas nas décadas de 1960 e 1970, também conhecidas como “geração granola”, tende a interpretar que coisas ditas “naturais” são boas e coisas ditas “sintéticas” são más. Muitas mulheres dessa geração estão agora enfrentando algum sintoma do período perimenopausa. Conhecendo o potencial mercado consumidor, fica fácil de entender a sacada do “hormônio bioidêntico que é mais natural, igualzinho ao que circula no meu organismo”, não é?
Mas não se engane! Os hormônios ditos “bioidênticos”, representados principalmente por esteroides (estradiol, testosterona, DHEA, progesterona e mesmo a vitamina D), são produzidos pela mesma indústria farmacêutica que fabrica os hormônios convencionais. Aliás, no mundo todo, devem existir apenas 6 ou 7 empresas capazes de produzir estes tipos de substâncias em grande quantidade dentro de um padrão de qualidade minimamente aceitável.
Mas se o hormônio convencional também é igualzinho ao que nosso corpo produz (salvo algumas exceções como os estrógenos conjugados), porque os endocrinologistas se preocupam tanto com os “hormônios bioidênticos”? Por um motivo muito importante: segurança.
Quando compramos qualquer medicamento em uma farmácia, ao abrirmos a caixinha, encontramos uma bula. A bula é um documento importante. Nela estão contidas indicações, doses, interações e perfil de efeitos adversos daquela substância. Para possuir uma bula, o medicamento precisa ter passado por estudos clínicos e estar devidamente registrado nas agências regulatórias, no caso do Brasil, a ANVISA. O problema é que os “hormônios bioidênticos” costumam ser manipulados ou colocados em implantes. A manipulação de uma substância por si só não é o problema. O problema é a prescrição de doses e combinações não avaliadas em estudos clínicos, isto é, com perfil de segurança desconhecido, ou pior, já avaliadas nos mesmos estudos e com perfil de segurança deletério.
A “moda dos bioidênticos” não é coisa nova. Outros países, especialmente os Estados Unidos através do FDA, sua agência regulatória, têm se mostrado preocupados com os possíveis riscos associados ao seu uso. A forma mais apropriada de garantir um tratamento seguro, barato e “natural” ainda é procurando profissionais sérios e com amplo conhecimento. As modas passam, mas complicações de tratamentos indevidos podem ficar pra sempre…

Fonte: Bioidentical Hormone Therapy: Whats Is It, Might It Have Advantages? - Medscape

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 10 de setembro de 2017

Sintomas compressivos causado pelo aumento da tireoide

Nossa tireoide tem entre 7 e 10 mililitros de volume e entre 10 e 20 gramas de peso. Está localizada logo abaixo da laringe (pomo-de-adão), sobre a traqueia. Lateralmente à tireoide, em ambos os lados do pescoço, localizam-se vasos importantes para a circulação do sangue na cabeça (carótidas e jugulares), além de alguns nervos (laríngeo recorrente e frênico). Todas essas estruturas são recobertas apenas por alguns músculos bem finos, pele e tecido subcutâneo. O conhecimento desta anatomia é importante para sabermos como o crescimento anormal desta glândula, ou bócio, é capaz de causar sintomas por compressão.



Os bócios podem ter diversas causas. Em países suficientes de iodo como o Brasil, a tireoidite crônica autoimune (Hashimoto), o bócio difuso tóxico (doença de Graves) e os nódulos são as principais. Nos dois primeiros casos, os sintomas de hipo ou hipertireoidismo costumam ser evidentes. Já os bócios nodulares, em grande parte das vezes, são assintomáticos.
A ausência de sintomas é explicada pelo crescimento lento da tireoide ao longo de anos ou décadas. Muitos pacientes nem desconfiam do bócio até que ele seja detectado através do exame físico ou de algum exame de imagem. Grande parte dos pacientes com tireoides muito aumentadas, que chegam a literalmente "mergulhar do pescoço para dentro do tórax" (bócio retroesternal), tem entre 50 e 60 anos de idade.
Indivíduos com bócios volumosos de longa duração podem desenvolver sintomas de obstrução devido à compressão progressiva da traqueia ou ao aumento súbito, geralmente acompanhado por dor, secundário ao sangramento dentro de um nódulo.
O sintoma compressivo mais comum é a falta de ar aos esforços. Este sintoma usualmente ocorre quando o diâmetro da traqueia fica menor de 8 milímetros. Em alguns pacientes com bócios retroesternais, a falta de ar costuma ser noturna e desencadeada por posições que forçam a tireoide da região cervical para dentro do tórax, como erguer os braços acima da cabeça, por exemplo. Quando a compressão da traqueia se agrava (diâmetro menor que 5 milímetros), o paciente pode começar a apresentar chiado mesmo em repouso, como se fosse asmático. Tosse também pode ocorrer entre 10 e 30 por cento do casos, assim como sensação de engasgo.
Outros sintomas que podem fazer parte do quadro são:
- ronco e apneia do sono: sintomas que melhoram em 29 por cento dos casos após a cirurgia.
- dificuldade em engolir (disfagia): sintoma pouco comum, já que o esôfago está localizado atrás da traqueia.
- paralisa do nervo laríngeo recorrente ou frênico: o que pode causar rouquidão ou soluços.
- compressão dos vasos sanguíneos do pescoço: complicações potencialmente graves, mas, felizmente, raras.
Apesar da maioria dos bócios causadores de sintomas compressivos ser benigna, a cirurgia costuma ser indicada após uma avaliação pré-operatória que inclui ecografia com punção dos nódulos suspeitos de malignidade, tomografia computadorizada, avaliação da função pulmonar e exames laboratoriais.

Fonte: Clinical presentation and evaluation of goiter in adults - UpToDate Online

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

O que é melhor para a saúde: gordura ou carboidrato?

Sem sombra de dúvida, o melhor é ter bom senso! O assunto é polêmico e novas evidências chegam  a cada dia. No entanto, a leitura da literatura científica deve ser criteriosa. Ler apenas o título ou o resumo de um artigo não melhora em nada a assistência ao paciente. Além disso, pode contribuir para propagação de desinformação e do terrorismo nutricional. Dito isto, vamos dar uma olhada no estudo PURE, publicado no periódico médico The Lancet, em agosto de 2017.



O estudo PURE avaliou o quanto a composição da nossa alimentação é responsável por desfechos adversos como morte ou problemas cardiovasculares. Para fazer isso, os pesquisadores selecionaram pessoas entre 35 e 70 anos de idade em 18 países (incluindo o Brasil) e aplicaram questionários para saber o que essa turma comia. Mais de 130 mil indivíduos foram acompanhados por cerca de 7 anos. Após as devidas análises, os pesquisadores perceberam que o maior consumo de carboidratos aumentou o risco de morte por qualquer causa em 28%. Já o maior consumo de gordura, independente do tipo, se associou com um risco 23% menor de morrer por qualquer causa. Nem carboidratos nem gorduras foram culpados por problemas cardiovasculares. A exceção foi que o risco de acidente vascular encefálico, popularmente conhecido como “isquemia” ou “AVC”, foi menor nos indivíduos com maior consumo de gordura saturada. Olhando superficialmente, comer um monte de gordura e pouco carboidrato seria a melhor opção para saúde. Será mesmo?
Primeiramente, é importante definir o que foi o “maior consumo” tanto de gordura quanto de carboidratos. No caso dos carboidratos, a ingestão associada a aumento no risco de morte foi de 67,7% do total de calorias. No caso das gorduras, a ingestão máxima foi de 35,3%. Em outras palavras, a ingestão de carboidratos deletéria estava acima do considerado apropriado para as diretrizes (45 a 65%) e a ingestão de gordura estava dentro do considerado apropriado (20 a 35%). Ou seja, o abuso na ingestão de carboidratos pode ser parte do problema.
Quando falamos de carboidratos, falamos de açúcar, pães, massas, mas também falamos de cereais integrais, frutas e vegetais. O problema é que o estudo não faz essa diferenciação! Será que o aumento da mortalidade no grupo que consumiu mais carboidratos foi por que as pessoas comeram mais arroz integral, ou será que foi por que beberam mais refrigerante? Essa é uma informação essencial que não foi reportada. Além disso, muitas das fontes de carboidratos refinados são produtos processados, que muitas vezes costumam também conter sódio e gordura trans em excesso, dois vilões conhecidos. No entanto, esta informação também não é disponibilizada pelo estudo.
Assim como as fontes de carboidratos não são adequadamente reportadas, as de gordura também não são. Ao contrário do que possa parecer, o estudo não avaliou apenas óleos vegetais, banha ou manteiga. Avaliou a composição da dieta como um todo. Alimentos que consumimos diariamente, mesmo quando preparados sem óleo/azeite/banha, possuem gordura naturalmente (carne, peixe, queijo, castanhas, cereais, iogurte…) ou adicionada (diversos alimentos processados). Em outras palavras, podemos ter duas dietas com a mesma quantidade de gorduras e carboidratos, muito diferentes uma da outra, uma saudável e outra nem tanto.
Aliás, sabemos que nossa alimentação varia dia após dia, semana após semana, ano após ano. O estudo aplicava o questionário alimentar em intervalos de 3 anos. Será mesmo que todo paciente manteve exatamente o mesmo padrão durante todo este período? Será que alguns pacientes não modificaram suas dietas, para um consumo menor de gorduras justamente por terem um risco maior de problemas de saúde? Será que as pessoas que consumiam mais gordura não se permitiam a isso por serem mais saudáveis? São questões que os próprios autores do trabalho reconhecem não ter conseguido responder.
Por fim, este estudo definitivamente não dá respaldo a dietas com restrições extremas de carboidratos ou abusivas em gorduras (very low carb e cetogênicas), já que os participantes não comeram menos de 42% de carboidratos, nem mais do que 38% de gordura.
Em resumo, gorduras não são as vilãs que se pregava em outros tempos, desde que consumidas dentro de um padrão alimentar e de atividade física equilibrado. Já o consumo abusivo de carboidratos, especialmente refinados ou vindos de alimentos altamente processados, pode sim trazer prejuízos à saúde. Ou seja, como dito antes, o melhor é optar pelo bom senso!

Fonte:
1- Associations of fats and carbohydrate intake with cardiovascular disease and mortality in 18 countries from five continents (PURE): a prospective cohort study. August, 2017. The Lancet.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Lítio e tireoide

O lítio, na forma de carbonato, é amplamente utilizado dentro da psiquiatria como tratamento para transtornos do humor. No entanto, seu uso pode se associar a problemas na tireoide, especialmente bócio e hipotireoidismo. Vamos entender como isso acontece…


O mecanismo pelo qual o lítio interfere no funcionamento da tireoide ainda não é bem compreendido. Alguns estudos em seres humanos e animais demonstram que o lítio aumenta a quantidade de iodo dentro da tireoide. Além disso, tanto a fabricação quando a liberação dos hormônios tireoidianos (T4 e T3) pode ser prejudicada. Ora, dito isso, fica mais fácil de entender o porquê do bócio e do hipotireoidismo.
Como menor liberação do T4 e do T3, nossa hipófise aumenta a secreção do TSH, hormônio que estimula a tireoide (veja na figura). O TSH por sua vez faz com que a tireoide aumente de tamanho para compensar a produção de T4 e T3 diminuída. Quando este crescimento da glândula é significativo, chamamos de bócio. Entre 40 e 50 por cento dos usuários de lítio podem desenvolver bócio.
Quando o aumento do TSH não é capaz de compensar a diminuição da produção de T4 e T3 induzida pelo uso de lítio, o paciente pode desenvolver hipotireoidismo. Assim como no bócio, até metade dos usuários de lítio pode desenvolver hipotireoidismo, que na maioria das vezes é subclínico, isto é, leve.
Tanto o bócio quanto o hipotireoidismo costumam dar as caras nos primeiros dois anos de uso do lítio. E como ambas são complicações frequentes, é recomendada uma avaliação tireoidiana antes do início do tratamento com lítio. Esta avaliação é bem simples. Consiste em exame clínico (inspeção e palpação da tireoide), seguida por avaliação laboratorial (dosagem do TSH e do anti-TPO). Quando está tudo em ordem, o paciente deve ser reavaliado em intervalos regulares a cada 6 ou 12 meses.
Disfunção tireoidiana ou presença de bócio não contraindicam o uso do lítio. Se qualquer alteração no volume ou no funcionamento da tireoide são identificados antes ou durante o tratamento, o uso do lítio pode ser continuado e a doença tireoidiana é manejada a parte. Logo, a comunicação entre psiquiatra e endocrinologista é parte essencial do cuidado ao paciente com transtorno de humor. 

Fonte: Lithium and the thyroid – UpToDate Online

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991